Pular para o conteúdo principal

- Família não é o físico e sim o que você é de verdade.



O tempo não parece passar tão rápido... Não agora que as árvores passam rapidamente pelas laterais, a estrada parece ser infinita... Os minutos parecem se arrastar, mas eu tenho um proposito para hoje... Eu sempre tive esse proposito desde que fui embora... Meus olhos ardem, as lágrimas não deixam minha face úmida por muito tempo, pois o vento, esse mesmo que te levou as enxuga com uma velocidade alarmante... São 02h45min da manhã, talvez daqui a duas horas quando eu chegar você ainda esteja dormindo ou esteja com aquele meu casaco folgado e antigo, o mais provável é que esteja com ele e com uma apenas uma calcinha, como de costume... Nunca corri tanto para ver duas pessoas tão importantes... Ter que ir para a guerra me fez um homem mais forte e frio, mas agora que sei que posso ver vocês daqui a algumas centenas de minutos, isso me deixa ansioso e descontrolado demais... Eu vi pessoas mortas, amputadas da cabeça aos pés, eu vi a dor e sofrimento de milhares de homens e até mesmo o meu... Pessoas passam fome, solidão e medo da morte que pode vir a todo instante e de qualquer lado... Mas não sei se estou preparado para o que tenho que passar agora, na verdade eu sei que estou... Mais lágrimas se secam junto ao vento... Dirigir apenas com uma mão... Isso não é tão difícil quanto pensei, talvez seja apenas o costume de ter as duas, a aflição foi grande demais quando me falaram da amputação, mas tive que ser forte já que um comandante deve ser assim, sem medo, sem escrúpulos e muito menos posso chorar, mas hoje, agora, é impossível... Sou visto como um herói, mas para mim é como se eu estivesse morto pela metade e impotente, como vou poder voltar ao normal? Agora 04h15min, estou virando a esquina de minha casa, da nossa casa, da para ver a grande habitação verde ao final da rua, vai ser inesperado eu enfim chegar em casa depois de mais de cinco anos, o nó está em minha garganta, quem sabe ela me reconheça, ou não... Sinto falta de minha esposa, de dormir ao seu lado, do carinho e do cafune que me dava quando deitava ao seu colo... Abro meu porta luvas que possui uma arma 38 e alguns pertences que deixei antes de ir para o avião, vasculhei para ver se havia algo mais importante... Uma foto amassada, como ela está linda, ou era não sei ainda ao certo, nessa ela deveria ter seus seis meses de gravides eu a beijando na barriga... Pensei que esse amor morreria, mas presentemente sinto um calafrio em minha barriga, olho o relógio 04h36min, eu ainda estou com minha roupa do exercito, pego minha mochila e a ponho nas costas e a única coisa que levo a mais é a nossa melhor foto... Há uma luz acesa, talvez seja Valentina ou Isadora... Abro a porta, ouço passos no andar de cima, passos de criança, talvez com uns 20 kg, a minha audição melhorada, aguçada, devo ao treinamento pesado e continuo... Passos lentos descem a escada e se deparam comigo, seus olhos brilharam, me senti tão memorável, feliz, recompensado pelo esforço de salvar vidas e agora vê-la assim, uma menininha loira, com cabelo liso até os ombros e franjinha me olha assustadoramente indignada e radiante.
Assim como uma criança, quero descançar em Deus. 
-Você disse que não ia demorar tanto... – lágrimas escorriam em seu rosto redondo e angelical, sua voz é doce e transmite ternura – Poxa papai... Você falou que ia vir mais cedo – a menininha encantadora correu para mim, eu abaixei e ela me abraçou forte – Eu falei pra mamãe que você ia voltar hoje, eu falei para ela... Mas ela não acreditou que eu sonhei com Papai do céu... E só esperei o senhor chegar...
-Você é muito esperta para uma criança de quatro anos sabia?! Você está linda minha filha... – ela pegou seus dedinhos fofinhos e passou em meu rosto, pegou uma lágrima e ficou olhando-a com curiosidade.
-Não sou criança, tenho quase cinco anos... – ficou com o rosto inclinado como se estivesse curiosa ou chateada - Não precisa chorar papai... Eu não vou para uma guerra e te deixar por alguns anos, Ele falou que você iria chorar e que não viria completo, eu perguntei para ele se voltaria a crescer, a se tornar completo de novo... – ela olhou para a minha manga esquerda que estava vazia -... Mas com o tempo ficaria completamente feliz novamente, como antes de tudo isso... Sabia que eu senti sua falta?! – seu tom era espontâneo.
-E eu a sua minha pequena – ela me apertou, pressionando-se contra o meu peito e arfou uma caixinha na minha frente.
-Isso é para você, minha mãe me ajudou afazer à caixinha...
Abri com máximo de cuidado possível, puxando a fita roxa que havia amarrando a pequena caixa, dentro continha uma folha, cheia de recortes de revistas, com corações e alguns rostos colocados cuidadosamente e um pouco de cola nos corpos dos desenhos que ela fez.
-O que é essa luz em cima da nossa família filha?!
-É Deus, ele está cuidando da gente, do nosso futuro, do seu braço, da dor que você sente por todas as pessoas que morreram e você viu... Sabe de uma coisa mocinho?! – disse apontando seu dedo em minha face – Precisa de um abraço e de carinho... Sabia que doeu mais em mim do que em você?! Depois eu sonhei que tinha perdido um braço eu entendi tudo... Doeu... Muito.

Passos fortes deram em cima de nós.

-Valentina?! O que está fazendo ai em baixo que... Ga... Gabriel?! – Isadora me olhava fixamente, lágrimas incessantes brotaram em seus olhos e molharam seu rosto, estava linda como sempre, parecia se cuidar mais que antes ou então estava trabalhando mais, e estava com a roupa que pensei que estaria, ela correu eu me abraçou forte – Mas... Você... – soluços de choro eram vindos dela, parecia sem saber o que dizer.  
-Eu te amo tá?! – foi apenas o que me restou dizer, nós três nos abraçamos durante muito tempo e soube que ali sempre foi meu lugar, que apesar de ter um problema físico, não é isso que elas querem, elas querem um marido, um pai, um melhor amigo, um ombro para chorar... E o amor sempre vai ser maior e melhor que todos os bens materiais ou qualquer coisa insignificante... Eu as amo e isso para mim é tudo, ou melhor, para nós... Eu, Isadora, Valentina e Ele que nos guia e sempre nos guiara. 


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Você sempre será o meu mundo.

Você sempre será o meu mundo. O céu estava cinza. Bem diferente daquele início de verão de quatro anos atrás. Era uma tarde fria de domingo. Caminhei até a praia onde nos conhecemos. Sabia que a encontraria naquele mesmo lugar. Estava sentada numa pedra que fica de frente pro mar. O cheiro da maresia tomava conta de tudo. A brisa fria conseguia até me deixar arrepiado. Tirei meus chinelos e deixei que meus pés tocassem a areia da praia. Caminhei então em sua direção. Cada passo me trazia uma lembrança. Tudo o que passamos juntos... Em quatro anos conseguimos construir uma história de amor incrível. Meus olhos avermelharam e se encheram de lágrimas ao lembrar-me do quanto ela me fazia feliz. Eu sabia o quanto ela significava em minha vida. Então me senti um idiota por saber que não dizia isso tanto quanto deveria mais. Já estava bem próximo quando percebi que ela estava chorando. Seu rosto vermelho e molhado e seus cabelos levemente cacheados cor castanho-médios balançavam com o ven...

O primeiro beijo

É incrivel lembrar de cada momento daquela tarde de domingo. Meu mundo mudaria completamente naquele dia de sol. -Alô?! -Oi Mari! Tudo bem?! -Tudo sim! E com você? -To ótimo! – Dei um breve sorriso nesse momento e prossegui. – Cheguei. Estou aqui em Bacaxá. Em que praia vocês estão? Naquele momento eu pude sentir que as palavras dela haviam se perdido. Seu coração com certeza havia acelerado e ela não sabia como responder. Eu sei que naquele momento eu senti a mesma coisa que ela estava sentido. -Estamos aqui na praínha. -Onde ela fica? -Ao lado da Igreja. Espera, vou perguntar aqui ao meu tio. -Tudo bem. -Bom, ele esta dizendo aqui que é a praia ao lado da igreja. Aqui perto da praça de Saquarema. -Tudo bem! Já estou chegando ai. -Esta bem. Eu te espero. -Tudo bem! Até logo! -Até logo! Ao desligar, subi no primeiro ônibus que vi escrito “Saquarema”. Levei naquele dia minha irmã e meu cunhado comigo. Ambos mais novos que eu. Ao chegar, não me guiei por palavras ou dicas. Apen...

Protetor.

Enquanto caminhávamos, pude notar algo diferente em seu rosto. Apesar de todas as circunstancias, certamente ela sabia o que eu sentia por ela. Talvez, no fundo, ela gostasse de saber disso.  Lamento por entender que coração alheio é terra de ninguém. Adoraria saber se ela sente algo a mais que essa amizade por mim. Algumas coisas me incomodavam e a principal era essa esperança que nunca morria. Eu não queria amá-la. Somos completamente diferentes, mas ao mesmo tempo sinto que ela é tudo o que eu preciso e eu sou tudo o que ela precisa. É estranho. Eu sei que é, mas nós dois nos completamos. - Posso abraçá-la? – perguntei já envolvendo meus braços sobre ela. - Claro, meu amor. – sorriu. – Estou mesmo precisando de abraços. - Lamento por tudo o que tem acontecido. - Esta tudo bem. Tirando todas as noites de sono que eu estou perdendo... Paramos em frente a vista da praia. Ela me olhou com lágrimas prestes a transbordar. Eu a trouxe em meus braços e abracei encai...